Cassiano Ricardo (1895-1974)
Amar o poema é ter o poeta
nele transubstanciado. Se ergo a voz
e digo ao silêncio a poesia que vaza
dos versos, eis o poeta ressurreto!
Por isso chamo à luz esses poemas:
para vencer a morte.
(Sandra Baldessin)
O Banquete
Em meu quarto, o silêncio,
E a lâmpada que me divide em dois.
O meu quarto é mais pobre que o de Jó:
Duas vezes eu e uma lâmpada só.
No salão do vizinho, que não me convidou,
A mesa alva, e os convivas bebendo um vinho triste.
Será Sangue de Orfeu? Lachrima Christi?
Porém, se o vinho é triste, há estrelas líquidas
Em copos altos, que cintilam, qual geométricos lírios
Erguidos no ar à hora dos delírios.
Seria eu na festa um insulto aos demais?
Algo de cômico? Uma pedra
Aos que têm no ombro uma asa?
Carvão? Quando tudo ali é brasa?
Sinto-me bem, assim não convidado,
Pois não bebo estrela nem sangue.
Sou enteado da alegria.
A tristeza é o meu pão de cada dia.
Sinto-me bem porque sou um cacto
Com folhas de silêncio.
Não troco por nenhum gole de vinho
Este meu ser noturno e submarino.
Que só me cheguem, pois,
O terrincar das taças
E o confuso gorjeio das bacantes.
Só me agrada beber rosa, em copo, à madrugada.
Ah, se soubessem todos o bem que me fizeram
Excluindo-me do banquete,
O mais lógico dos olvidos,
Ergueriam um brinde aos escolhidos!
2 Comments:
Felizmente o Cassiano é um velho conhecido! Aprecio muito sua poesia!
José
http://allthetruthaboutjb.multiply.com
By Anônimo, at 5:08 AM
Oi Jose, eu tenho um afeto especial pela poesia de Cassiano Ricardo, pela pseudo singeleza que, de repente, se transforma em profundidade e nos lança no abismo dos seus versos.
Obrigada pela leitura.
By Sandra Baldessin, at 12:53 PM
Postar um comentário
<< Home